Dia desses, eu saía de casa apressada, com compromisso com hora marcada, quando a síndica me chama pra uma conversa surreal:
“Conceição, quero te pedir desculpas”.
Eu parei, sem entender nada. Tenho o maior carinho por ela, a gente sempre está conversando. Se alguma coisa me desagrada, falo direto com ela, temos uma relação ótima, me confidencia coisas, e ela continuou:
“ Eu sempre te chamei de ‘nega’ e hoje vi na televisão que é crime”. PQP. “Quero que você saiba que trato todo mundo assim, brancos e afrodecendentes, pra mim todo mundo é nega, é nego. Por favor, não me leve a mal”.
Caraca, quanta confusão. Não sabia o que dizer, mas respondi:
“Não é assim, Silvia. Não tenho nenhum problema quando meu companheiro me chama de nega, até gosto (aliás, gosto muito). Outro dia, quando você inaugurou a academia ao ar livre, gritou de longe pra mim, que passava de carro: ‘Olha lá, nega, vai lá perder a barriga’, me ofendi por conta da minha barriga…”, rimos e… me atrasei um pouco. Temos de tomar muito cuidado com o excesso do “politicamente correto”.
A palavra, a língua são armas muito poderosa e eficaz, sim. Temos de banir algumas coisas do nosso vocabulário, principalmente por conta das nossas crianças. Não gosto do verbo denegrir. Não gosto da expressão no jogo de: “Vamos tirar a negra”, para decidir quem ganhou a partida. Essa “negra” era um prêmio (uma escrava) dado aos ganhadores do século 17/18. Não gosto desta expressão. Não gosto de “cabelo ruim”, entre outras formas de falar. Mas a exemplo da Silvia, a síndica, temos que tomar cuidado pra não chamar Saci Pererê de afrodecendente deficiência física. Ou ainda chegar na padaria e dizer que quer um bolo de uma afrodecendente com problemas mentais, em vez de bolo Nega Maluca . O politicamente correto é muito importante para as crianças, muito importante. Quando eu era criança, segunda infância (dos 8 aos 15) a melhor amiga, Marilda, era bem loira, de olhos bem azuis. Na televisão passava um seriado americano Patty Duck Show que era a história de duas primas idênticas e loiras. Pois nos idos dos anos 1970, nós duas assistíamos ao seriado queríamos fazer igual, repetir as cenas. A gente acreditava que era igual. Talvez isso me fez crescer e perceber naturalmente que não éramos fisicamente iguais, tudo naturalmente… vamos tomar cuidado!
p s: uma vez fui a uma comunidade quilombola no Rio de Janeiro, em uma festa (um evento). Quem organizou tudo foi um rapaz branco. Quando ele se apresentou a mim, disse assim: Você é afrodecendente e eu sou afrodependente, achei engraçado.
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